P E D
R O N
U N E S
129- PETRI NONII
SALACIENSIS DE ARTE
ATQUE RATIONE NAVIGANDI LIBRI DUO
EIUSDEM IN THEORICAS
PLANETARUM GEORGII PURBACHII ANNOTATIONES, ET IN PROBLEMA MECHANICUM
ARISTOTELIS DE MOTU NAUIGII EX REMIS ANNOTATIO UNA.
EIUSDEM DE ERRATIS ORONTII FINOEI LIBER UNUS.
EIUSDEM DE CREPUSCULIS
LIB. I. CUM LIBELLO ALLACEN DE CAUSIS CREPUSCULORUM.
CONIMBRICAE, IN
AEDIBUS ANTONII À MARIIS, UNIUERSITATIS
TYPOGRAPHI. ANNO 1573, CUM FACULTATE INQUISITORIS.
O frontispício
ostenta uma bela gravura do escudo português. No verso, vem a carta
nuncupatória do impressor António Mariz a D. Sebastião, datada de 12 de Agosto
de 1573, a que se segue a carta de Pedro Nunes ao leitor. Seguem-se depois “As
principais considerações sobre o livro primeiro e sobre o livro segundo”.
Depois apresenta “O que de importante anotamos
em Theoricas Planetarum de Jorge Purbáquio” . Vem a seguir a “ Figura do instrumento náutico a que os
Hispanos chamam agulha”. Vem depois,
sempre em duas colunas, o texto propriamente dito da obra mais importante de
Pedro Nunes a ARTE E A CIÊNCIA DE
NAVEGAR, que se estende da página 1 à 126, sendo as últimas seis páginas
preenchidas com “Uma anotação a um problema de Aristóteles acerca do movimento
do barco a remos”; segue-se “ ALGUMAS ANOTAÇÕES ÀS TEORICAS DOS PLANETAS DE JORGE
PURBÁQUIO, da página 127 à 201,
terminando com o cólofon COIMBRA, NA
OFICINA DE ANTÓNIO DE MARIZ. ANO 1573. (1)
(1)- Como é óbvio, não
vou entrar na análise científica da obra. Pois, como diz o Povo, “ Quem te
manda a ti, sapateiro, tocar rabecão”…. Para tanto, aconselho a leitura do IV
Volume das OBRAS DE PEDRO NUNES, com a direcção científica do
conceituadíssimo Prof. Henrique Leitão,
edição da F. C. Gulbenkian
Na carta
nuncupatória, António Mariz escreve : “ quo maior accessio fieret, addendum
putaui eiusdem autoris libros , de Erratis Orontii Finaei, et de crepusculis
iam olim apud nos editos… para tornar a obra mais volumosa pensei
acrescentar-lhe do mesmo autor os livros de Erratis Orontii Finaei e de crepusculis já por nós há tempos editados”.. Daqui se
infere que a verdadeira data de impressão daqueles dois livros não é 1573, mas
1571,tendo sido colocado por cima do 1 o algarismo 3. A propósito o preclaro
Professor Joaquim de Carvalho escreveu: “ Para reunir estas obras num volume
só, dada a impossibilidade de se numerarem seguidamente as respectivas páginas,
impunha-se o que realmente se fez: datar do mesmo ano todos os escritos, e
exarar no frontispício os títulos das obras que o compunham. Nestas condições,
compreende-se que ao terminar a impressão das obras realmente impressas em 1573
se actualizasse a data dos tratados impressos em 1571, e se pejasse
inesteticamente o frontispício inicial, manifestamente concebido e desenhado
apenas para aquelas três obras, com a menção, em corpo menor e em caracteres
diversos, do De erratis Orontii Finaei e do De crepusculis” ( In Pedro Nunes,
Obras Vol. II de Crepusculis, Imprensa Nacional de Lisboa,1943, pág.284).
Pela carta de
António Mariz a D. Sebastião ficamos a saber que Pedro Nunes foi professor do
próprio rei e também dos tios paternos e ainda que era considerado o maior
matemático daquele tempo. Escreveu Mariz: “ Acessit auctoris dignitas et excellencia inter omnes huius
aetatis mathematicos. Cuius rei quando et admirabilis demonstrandi facilitas et
plena eruditionis opera, fidem non facerent, efficax argumentum esset, quod
patrui tui, huius regni príncipes ( quibus nihil non magnum placuit) eo
praeceptore usi sunt, et tu tandem, rex inclyte, eiusem doctrinam probes, ac
mathematica praecepta libenter audias”.
Os DOIS LIVROS DA ARTE E CIÊNCIA DE NAVEGAR,
bem como os demais escritos latinos acima descritos, saíram, pela primeira vez,
em Basileia, em 1566, mas com muitos erros. O que deixou Pedro Nunes muito
desgostoso. Ao menos nesta edição, o autor já pode acompanhar a sua impressão e
corrigir os erros, entretanto, detectados. Daí o seu enorme valor. Pois foi a
última edição feita em vida do autor. No entanto, e na apreciação de Henrique
Leitão,” este é o livro mais importante de Pedro Nunes. Acerca dessa
importância é bem eloquente o facto de ser a primeira obra publicada por Nunes
fora de Portugal, já que até então todos os seus livros haviam sido confiados a
tipógrafos nacionais “ ( obra citada na nota anterior, pág. 518).
Em “As principais
considerações sobre o livro segundo”, Pedro Nunes nomeia os principais
cientistas estrangeiros com os quais não está de acordo. Entre eles cita João
Monterégio, Alberto Pighe, Marco Beneventano, João Shöner e Jerónimo Cardano,
sobre quem adiante falermos. No entanto, não faz referência a nenhum nacional,
designadamente, a Diogo de Sá, que o havia criticado na sua obra De Nauigatione
Libri Tres, publicada em Paris , em 1549, e a que nos referimos no volume II.
Pedro Nunes começa
a obra, lembrando que Martim Afonso de Sousa, em 1530, a mando de João III,
havia navegado até ao rio da Prata e, quando três anos depois, regressou (1),
apresentou-lhe várias questões, às quais responde na presenta obra. Daqui
pode-se inferir que Martim Afonso de Sousa também foi seu aluno. E começa o
livro II enaltecendo os feitos náuticos dos Portugueses nestes termos :
“ Lusitanorum nauigationes hoc saeculo factas admirabiles
esse nemini incompertum est. Lusitani enim Oceanum transnatare ausi sunt: nouas
repererunt insulas antiquitati prorsus incognitas, noua littora, noua maria,
nouos atque nunquam visos populos. Non eos perterruit ingens calor exustae
zonae, neque immodicum frigus gelidae,quin continuis profectionibus tandiu
nauigarent, donec ultra aequinoctionalem ingens illud Aphricae promontorium,
quod bonae spei caput appellant, praetervecti, iterumque ln Borealem plagam se
recipientes , Aethiopicum mare quod in Troglodytica est, Arabicum, Persicum,
transgressi in Indiam tandem appulerint. Inde vero ultra Gangem , ultra
Taprobanam , in regionem Sinarum , atque
in insulas ad orientem Solem maxime spectantes peruenerunt. Haec uero ab eis
nec temere quaesita, nec casu reperta fuerunt. Gestabant enim Astronomica
instrumenta ad astrorum obseruationes , tabulasque motus Solis et Lunae, a Mathematicis
numeris atque certa ratione designatas:
illud praeterea viuum diuinumque organum
priscis hominibus incognitum,quod
acum nauticam appellant.– As admiráveis navegações dos Portugueses, feitas
neste século, ninguém as pode ignorar. Pois, os Portugueses ousaram atravessar
o Oceano: descobriram novas ilhas, totalmente desconhecidas da antiguidade,
novas costas, novos mares, e novos povos até então nunca vistos. Nem o enorme
calor da zona tórrida, nem o excessivo frio das regiões geladas, os impediu de
navegarem em contínuos avanços para além da equinocial, dobrando aquele enorme
promontório de África, a que chamam Cabo da Boa Esperança, e regressando de
novo à região boreal, tendo atravessado o mar etíope, que é a Troglodita, o
arábico e o pérsico , aportaram
finalmente à Índia. E a partir daqui foram além do Ganges, da
(1)- Em 12 de Março
de 1534, Martim Afonso de Sousa largará do Tejo rumo à Índia, para onde vai
como Capitão-Mor, levando consigo o grande Garcia d’Orta; e, quando em Março de
1541, regressar à Índia, agora como Governador, levará S. Francisco Xavier e os
seus companheiros jesuítas.
Taprobana, e chegaram à região da China e às tão desejadas ilhas orientais. Mas isto não foi procurado às cegas nem
descoberto ao acaso. Usavam instrumentos astronómicos para observações dos
astros, e tabelas do movimento do sol e da lua, feitas por matemáticos com
números e cálculos certos, além disso, usavam aquele vivo e divino instrumento,
desconhecido dos homens antigos, a que chamam agulha náutica” ( pág.8).
Pelo que escreve
mais adiante, ficamos a saber que, em 1555, Pedro Nunes encontrava-se a redigir
esta obra: “ Postea vero anno a Christo nato 1555 labente, die 14
mensis Septembris minimam ipsius Solis a
vertical puncto distantiam reperimus Gr.
40 minu. 40.- Mas, depois, no dia 14 do
mês de Setembro do corrente ano do nascimento de Cristo de 1555, observamos que a distância mínima do
sol ao zénite era de 40º40’ “ ( pág. 41).
Ao ocupar-se
de IN PROBLEMA MECHANICUM
ARISTOTELIS DE MOTU NAUIGII EX REMIS ANNOTATIO UNA,
Pedro Nunes
revela-nos que, nas suas aulas, debatia com os alunos, os problemas de que se
ocupa nas suas obras : “ Cum olim discipulis nostris mecanicas Aristotelis
questiones interpretaremur, nonnula circa problema illud annotauimus, cur magis
procedat nauigium, quam remi palmula in contrarium. Arist. enim ratiocinatio obscura est: quam
nos tamen ut aliquid lucis haberet, ad hunc modum explicauimus : et propter materiae
similitudinem hisce nostris libris de
Nauigandi ratione adiunximus- Quando
outrora interpretamos para os nossos alunos as questões mecânicas de
Aristóteles, fizemos algumas observações acerca daquele problema porque é
que o barco avança mais que a pá do remo em sentido contrário. Já que o
raciocínio de Aristóteles é obscuro, nós, para que tenha alguma luz, explicamo-lo doutro
modo e, por causa da semelhança da matéria, juntamo-lo a estes nossos
livros Sobre a Ciência de Navegar”( pág.
121).
Como se vê, Pedro
Nunes, não só nos dá a conhecer a sua abordagem com os alunos dos assuntos que
versa nas suas obras, como também nos explica a razão pela qual incluiu neste
livro aquele problema de Aristóteles.
As obras contidas
neste volume, porque escritas em latim, a língua da ciência e da cultura de
então, foram as que maior divulgação tiveram na Europa e as que mais longe
levaram o nome do Salácia, tendo tido uma importância enorme na história da
náutica.
Através dos
séculos muitos especialistas se debruçaram sobre esta obra de Pedro Nunes. O
mais recente ( 2005) foi o francês Raymond D’Hollander, a quem se devem algumas
das mais interessantes e perspicazes observações sobre o valor do trabalho do
matemático português, como nos recorda o citado cientista português ( ob. cit.,
pág.538).
Pedro
Nunes nasceu na romana Salácia, depois Alcácer do Sal, no ano de 1502, como o
próprio nos lembra, quando escreve na obra a seguir descrita : Exempli gratia,
sit anno 1502, quo ego natus sum…Por exemplo, seja o ano 1502, ano em que eu
nasci…( pag.135)
130- IN THEORICAS PLANETARUM GEORGII
PURBACHII ANNOTATIONES ALIQUOT, PER
PETRUM NONIUM SALACIENSEM.
Já no volume II me referi a Jorge Purbáquio e ao entusiasmo
que as netas de D. Manuel, as Infantas D. Maria e D. Catarina, punham no estudo
das Teóricas dos Planetas de Purbáquio ( pág. 86).
Como também já se
escreveu, esta é a segunda edição da obra, que havia sido impressa, pela
primeira vez, em Basileia, em 1566.
Ficou referido no
volume anterior que André Avelar tomara posse da cadeira de Matemática a 4 de
Janeiro de 1592, vaga desde a jubilação de Pedro Nunes em 1562 ( pág.265). No
seu ensino André de Avelar, explicando as Theoricae Planetarum, citava com
frequência o texto de Pedro Nunes.” Assim o atestam as notas de aulas de Avelar
que se conservam presentemente num volumoso manuscrito na Biblioteca del Real
Monasterio del Escorial” (Henrique Leitão, in Pedro Nunes, Obras, Vol. V
In Theoricas Planetarum Georgii Purbachii Annotationes, F. C. Gulbenkian, pág.352
).
O jesuita Cristóvão Clávio, alemão que estudou no Colégio das
Artes, em Coimbra – e de quem adiante nos ocuparemos-, tornou-se um dos maiores
admiradores e divulgadores das obras de Pedro Nunes. “ Tendo entrado no
currículo jesuíta pela mão de Clávio, os trabalhos de Pedro Nunes, e em
particular as suas Anotações às Teóricas
dos Planetas de Jorge Purbáquio, foram referidos e comentados por muitos
matemáticos da Companhia de Jesus. De especial importância foi Giovanni
Battista Riccioli (1598-1671), o
famoso matemático e astrónomo jesuíta que se celebrizou pelas suas extensas
publicações científicas que alcançaram uma excepcional divulgação ( obr. cit., pág.356 ). E o Prémio Pessoa 2014, na página seguinte da obra citada, lembra-nos
que “ O número de autores que ao longo do século XVII referiram as Anotações às Teóricas dos Planetas de Jorge
Purbáquio é amplo e não é possível fazer mais do que dar indicações
rápidas”.
131- DE ERRATIS
ORONTII FINAEI, REGII MATHEMATICARUM LUTETIAE
PROFEEEORIS. QUI PUTAUIT INTER DUAS DATAS LINEAS,
BINAS MEDIAS PROPORTIONALES SUB
CONTINUA PROPORTIONE INUENISSE,
CIRCULUM QUADRASSE, MULTANGULUM
QUODCUNQUE RECTILINEUM IN CIRCULO DESCRIBENDI,
ARTEM TRADIDISSE, ET LONGITUDINIS LOCORUM
DIFFERENTIAS ALITER QUAM PER ECLIPSES
LUNARES, ETIAM DATO QUOUIS
TEMPORE MANIFESTASFECISSE.
PETRI NONII SALACIENSIS
LIBER UNUS.
SECUNDA EDITIO
CONIMBRICAE, EXCUDEBAT
ANTONIUS A MARIIS. ANNO 1573
Como acima se deixou dito, muito embora conste como data de
publicação o ano de 1573, a verdadeira data é 1571, como decorre da carta
nuncupatória de António Mariz.
A primeira edição
desta obra saiu dos prelos de João Álvares e João Barreira, em Coimbra, no ano
de 1546, sendo esta a segunda, como, aliás, vem assinalado no
frontispício.
No verso do
frontispício, o livro enumera os assuntos que tratará para além da refutação
dos argumentos de Orôncio. Na página seguinte vem a carta de Pedro Nunes ao
leitor, onde a certa altura escreve :“Orontii enim errores pauci sunt, sed adeo insignes ut dissimulandi
non sint. Solum enim errat, cum mathematicas demonstrationes conficere, sed
raro audet- São poucos os erros de Orôncio, mas são tão grandes que devem ser
postos a nu. Só erra quando ousa fazer demonstrações matemáticas, o que
raramente acontece”. E mais adiante desabafa: “ Quem ego iam ante annos
tredecim , per literas admonere statueram, ut consultius et maturius inuenta
sua probaret, antequam foras emitteret. Sed mutaui consilium , quoniam id magis
eorum officium esse putaui, qui in eadem
urbe , in qua idem Orontius mathematicas
publice docet, iisdem artibus et
disciplinis instructi sunt.- Já há 13 anos ( 1533) estive decidido a advertir
epistolarmente Orôncio para que fundamentasse com mais prudência e maturidade
as suas invenções antes de as tornar públicas. Mas mudei de ideias, porque
pensei que isso incumbia antes aos instruídos nas mesmas artes e disciplinas da
cidade, onde ele ensina publicamente as Matemáticas”.
No início do
livro, a certa altura, escreve Pedro Nunes: “ Eu, porém, estou convencido que
Orôncio endoideceu mesmo; pois, doutro modo, teria reconhecido os seus
primeiros erros, cometidos doze anos antes e, por isso, aterrorizar-se-ia com
os novos e enormes que eu neste livro explicarei com muita clareza – Ego vero
eum puto insanisse, aliter enim primos errores suos ante duodecim annos
comissos agnouisset , et proinde hos nouos ingentesque formidasset, quos in hoc
libelo apertissime explicabo”( pág. 2).
Foi porque Orôncio, não só não corrigiu os seus
erros, como ainda cometeu mais, que Pedro Nunes se decidiu a escrever esta
obra, pois, confessa, também gostava que o corrigissem, caso ele próprio
errasse. Por aqui podemos aferir do carácter e do amor à verdade científica
deste grande Homem! No verso, começa o texto da obra, que se estende por 56
páginas.
Oronce Finé ou, na
forma alatinada, Orôncio Fineu - de que mais adiante se tratará -, foi lente de
Matemática no Colégio Real de Paris .
132- PETRI
NONII SALACIENSIS, DE
CREPUSCULIS LIBER UNUS.
ITEM ALLACEN
ARABIS VETUSTISSIMI, DE
CAUSIS CREPUSCULORUM LIBER
UNUS,,A GERARDO CREMONENSI IAM
OLIM LATINITATE DONATUS, ET
PER EUNDEM PETRUM
NONIUM DENUO RECOGNITUS.
SECUNDA
EDITIO
CONIMBRICAE,. EXCUDEBAT
ANTONIUS A MARIIS.
ANNO 1573.
Este livro é composto
por duas obras: De crepusculis , da
autoria de Pedro Nunes, e De causis crepusculorum, da autoria de
Allacen, traduzida do árabe para latim por Gerardo de Cremona e agora revista
por Pedro Nunes.
A primeira edição
desta obra saiu em Janeiro de 1542, impressa em Lisboa por Luis Rodrigues. A
qual foi dedicada a D. João III, em carta, datada de 18 de Outubro de 1541.
Pela carta de Pedro
Nunes a D. João, ficamos a saber que os tios de D. Sebastião a que alude
António Mariz na sua citada carta, são os príncipes de Luis e D. Henrique,
tios-avós daquele monarca. Com efeito, escreve Pedro Nunes na sua carta, referindo-se
a D. Henrique: “ Eum tu rex hummanissime decem abhinc annis, mathematicis
scientiis instituendum a me curasti. Didicit
ille diligentissime breuique tempore, Arithmetica et Geometrica Euclidis
elementa, Sphaerae tractatum , Theoricas planetarum, partem magnae astrorum
compositionis Ptolomaei, Aristotelis mecânica , Cosmographica omnia, Priscorum
quorundam instrumentorum usum, et nonnullorum etiam quae ego ad nauigandi artem
excogitaveram - Há dez anos, vós, rei
humaníssimo, mandastes-me ensinar-lhe as ciências matemáticas. Com muito zelo e
em pouco tempo aprendeu os elementos de Aritmética e Geometria de Euclides, o
Tratado da Esfera, as Teóricas dos Planetas, parte da magna composição dos
astros de Ptolomeu, a Mecânica de Aristóteles, toda a Cosmografia, e a prática
de alguns instrumentos antigos e também de alguns que eu havia inventado para a
arte de navegar ”. E, mais adiante,
refere-se ao príncipe D. Luis, também seu irmão, nestes termos: “ partim etiam
quod magnanimo Principi Infanti Ludouico
fratri tuo literarum studiosissimo , quotidiana lectione Aristotelis
libros exponam – além disso, todos os
dias leio e explico os livros de Aristóteles ao
Principe Infante D. Luis, vosso magnânimo irmão, muitíssimo aplicado às
letras”.
Pedro Nunes faz menção
expressa de “ alguns instrumentos que eu inventei para a arte de navegar”.
Certamente estará a referir-se ao Nónio, ao Anel graduado e ao Compasso para
cálculo de senos.
Também o biógrafo
do Infante D. Luis, D. Joze Miguel João
de Portugal, Conde de Vimioso, nos lembra que o Infante foi aluno de Pedro
Nunes, o que faz nos termos que seguem: “ Aprendeu as sciencias mais próprias
com o insigne Portuguez, e professor de todas Pedro Nunes ( cujo nome ninguem
pronunciou sem epitheto honroso) e fez tal progresso nellas pela viveza do
engenho, pela grandeza da comprehenção, e pela aplicação do estudo, que não
deixou mais acreditado o Mestre pela honra do magistério, que pelo fruto da
disciplina”( Vida do Infante D. Luiz, Antonio Isidoro da Fonseca, 1735, pág.4).
Muito embora não
faça qualquer alusão a ele, sabemos também que Pedro Nunes foi professor de D.
João de Castro. É Jacinto Freyre de Andrade que nos informa : “ Aprendeo as Mathemáticas com Pedro Nunez, o
maior homem, que desta profissão conheceo Portugal; fazendo-se tão singular
nesta sciencia , como se a houvera de ensinar. Nesta escola acompanhou o
infante Dom Luis, a quem se fez familiar…” ( Vida de Dom João de Castro, Quarto
Viso-Rey da India,Officina Craesbeeckiana,1651, pág. 2).
À carta nuncupatória segue-se um poema da
autoria de António Pinheiro. Natural de
Porto de Mós, Bispo de Miranda, primeiro e, depois, de Leiria, a ele nos
referimos no volume I ( pág. 147 e segs.) .
“ O De crepusculis revela, talvez como
nenhuma outra obra sua, o génio de Pedro Nunes , pela forma como cingiu
cientificamente o assunto,, criando-o, por assim dizer, de raiz, ao
desprendê-lo da maranha de obscuridades e erros, e estabelecendo coerente e
consistentemente a respectiva problemática, cujas soluções e demonstrações se constroem e encadeiam segunda a atitude
mental e o método que atingiram
expressão suprema e canónica com Euclides” ( Joaquim de Carvalho, Pedro Nunes,
Obras, Vol. II, Imprensa Nacional, pág.290).
“ Quando Pedro Nunes revia as derradeiras provas do seu
livro, em 1542, limava, porventura, Nicolau
Copérnico as últimas laudas do seu De
reuolutionibus orbium coelestium libri sex, publicado em 1543, mas pensado
e talvez escrito doze anos antes. Não sofrem paralelo as duas obras, a bem
dizer contemporâneas, quer na amplitude do objecto, quer no rasgo do
pensamento, quer na profundidade e vastidão da influência: o livro de Copérnico
assinala uma viragem na história da Ciência e na da posição do Homem no Universo, o de Pedro
Nunes é apenas a primeira consideração científica, desenvolvida, exacta e
encadeadamente demonstrada, do objecto de que se ocupa ( id., pág. 291). A obra
de Copérnico aparece com frequência encadernada no mesmo volume com as de Pedro
Nunes. Por aí já se pode aferir da importância que os cientistas atribuíam
também à obra do Salaciense.
Para determinar a
duração do crepúsculo, Pedro Nunes conta-nos que “ Em Lisboa, decorrendo o ano
da Salvação de 1541, no primeiro dia de Outubro, à tarde, com céu sereno,
observei da elevação mais alta da cidade, quando já não havia claridade da
parte ocidental, a estrela do Coração do Escorpião, tendendo para o ocaso, e
verifiquei que ela se elevava 5 graus acima do horizonte – Olysippone labente anno salutis 1541, prima die mensis
Octobris vesperi, sereno coelo, ex summa urbis arce, quum nihil splendoris iam
esset in parte occídua, obseruaui stellam cordis Scorpii tendentem in occasum, eamque
quinque gradibus supra horizontem eleuatam deprehendi”( pág.40). E mais adiante
informa-nos que, no nosso tempo, no dito horizonte de Lisboa, os crespúculos mais
curtos dão-se nos dias 26 de Setembro e 25 de Fevereiro – “Igitur breuissima
crepuscula nostra aetate 26 die Septembris et 25 Februarii in ipso horizonte
Olysipponensi”( pág.47).
Nas suas obras, Pedro Nunes autodenomina-se
“Salaciensis “, isto é, natural da
Salácia- Alcácer do Sal. Nascido, como ele o afirma e acima se referiu, em
1502. No entanto, a sua ascendência é de todo desconhecida. Até hoje ninguém
encontrou um documento que fosse, que nos dissesse quem foram os seus pais , os
seus avós ou os seus irmãos. Ficamos a saber pelos
seus netos, Matias Pereira e Pedro Nunes Pereira , presos pela
Inquisição na década de vinte do século XVII, que o avô havia ido muito cedo
para Salamanca. Aí casou em 1523 com Guiomar de Áreas, de quem teve vários filhos,
num casamento que durou mais de cinquenta anos. Pedro Nunes deve ter
permanecido em Espanha vários anos, de outra maneira não se explicaria a
desenvoltura com que dominava a língua castelhana, como transparece na sua
última obra “ Libro de Algebra en
Arithmetica y Geometria”, publicado em 1567.
Obviamente que o jovem Pedro Nunes deixou
a sua terra natal rumo a Salamanca para frequentar a Universidade das margens
do Tormes e, em 1526 era bacharel, segundo nos informa o Prof. Veríssimo Serrão
( Portugueses no Estudo de Salamanca,pág.197). Mas, em 1529, já se encontrava
em Portugal, pois D. João III, por carta de 16 de Novembro, nomeia-o seu
cosmógrafo com o mantimento anual de 20.000 reais ( Chartularium Universitatis
Portugalensis, Vol. XIII,pág.544) e, a 20 do mesmo mês ,encontrámo-lo,
juntamente com Garcia d’Orta, a fazer oposição à cadeira de Filosofia Moral (
Auctarium Chartularii Universitatis Portugalensis, Vol III, pág.9).
Estes dois factos, devidamente
documentados, leva-nos a concluir que Pedro Nunes já se encontrava em Lisboa há
algum tempo, quiçá desde 1527, frequentando a corte e até fosse já mestre do
Infante D. Luis, porque do Infante D. Henrique só virá a ser em 1531, como o
próprio refere na aludida carta nuncupatória. E ainda de D. João de Castro,
Martim Afonso de Sousa e outros, como também já se deixou dito. Doutra forma,
não se encontraria explicação para a sua nomeação régia. Foram os seus
conhecimentos, o seu saber, manifestados na corte, que levaram o monarca a
nomeá-lo “seu cosmógrafo”.
Em 4 de Dezembro é eleito lente de Lógica,
por substituição, na Universidade de Lisboa, e a partir de 15 de Janeiro de
1530 passa a ler as lições de Lógica, que eram do Mestre João Ribeiro ( 0br.
cit. pág.s 11 e 14 ). E, em 16 e 17 de 1532, tomou o grau doutor em Medicina,
tendo sido testemunha o já também licenciado Garcia d’Orta ( id., págs.61 e 66)
.
Em 14 e 15 de Fevereiro de 1534,o Doutor
Pedro Nunes foi examinador no exame de licenciatura do bacharel de medicina Diogo
Lopes; e, em 16 e 17 de Novembro de 1535, foi também examinador do bacharel em
medicina Luis Nunes ( id. págs. 206 e 299.).
Em 21 e 22 de Janeiro de 1537, sendo
reitor o seu homónimo, o desembargador Doutor Pedro Nunes, do Conselho e
Desembargo delRey, e último reitor dos Estudos Gerais em Lisboa, o Doutor Pedro Nunes, mais uma vez, integra
os cinco examinadores na licenciatura do bacharel em Medicina, Manuel de
Noronha ( id. pág.356).
Em 1 de Dezembro de 1537, Pedro Nunes faz
sair dos prelos de Germão Galharde, o TRATADO DA SPHERA, a única obra impressa
em português.
Com esta obra publica Pedro Nunes o
“Tratado em defensam da carta de marear”, onde escreve :
“ Nam ha duuida que as navegações deste
reyno de cem annos a esta parte sam as mayores mais maravilhosas de mais altas
e mais discretas conjeyturas que as de
nenhuma outra gente do mundo. Os Portugueses ousaram cometer o grande mar
Oceano. Entraram por elle sem nenhum receo. Descobriram nouas ylhas nouas
terras nouos mares nouos pouos: e o que
mays he: nouo ceo e nouas estrelas.
Perderanlhe tanto o medo que nem a grande quentura da torrada zona , nem o
descompassado frio da extrema parte do sul, com que os antigos scriptores nos ameaçauam lhes pode estoruar:
que perdendo a estrella do norte e tornandoa a cobrar: descobrindo e passando
ho temeroso cabo de Boa esperança, ho mar de Ethiopia, de Arabia, de Persia
poderam chegar a India . Passaram o rio Ganges tam nomeado a grande Trapobana e
as ilhas mais orientaes. Tiraramnos muitas
ignorâncias e amostraramnos ser a terra
mor que o mar e hauer hi
Antipodas…. Ora manifesto he que estes
descubrimentos de costas, ylhas e terras firmes nam se fizeram indo a acertar,
mas partiam os nossos mareantes muy ensinados e prouidos de estormentos e
regras de astrologia e geometria que sam
as cousas de que os Cosmographos ham
dandar apercebidos, segundo diz Ptolomeu no primeiro liuro da sua Geografia.” (
Pedro Nunes, OBRAS, 1940, vol. I, pág. 175-6). Pedro Nunes não perde uma
oportunidade para enaltecer o saber dos nossos navegantes e a cultura náutica
de que se encontravam imbuídos, bem como os feitos dos Portugueses, de que
nenhum outro povo no mundo se pode orgulhar. Ao aludir a “nouas estrelas” está
com toda a certeza a pensar no Cruzeiro do Sul, que os marinheiros portugueses
souberam destacar para lhes servir de guia nas navegações do hemisfério sul, e
que Camões celebra no Canto V, estrofe 14 :
“ Ja descuberto tinhamos
diante
La no
nouo Hemisperio noua estrella
Não
vista de outra gente, que ignorante
Alguns
tempos esteue incerta della” ( Lusíadas,
edição de 1584, fól.127v).
Em 1542, tendo como impressor João
Rodriguez, Pedro Nunes publica o DE
CREPUSCULIS LIBER UNUS.
Com a transferência definitiva da
Universidade para Coimbra, Pedro Nunes, como docente que era, também se
transferiu para a cidade do Mondego, ficando a morar em instalações,
pertencentes ao Infante D. Henrique, como se depreende do Alvará régio de 16 de
Outubro de 1544, que lhe aumentou o ordenado, por ter sido nomeado lente da cadeira de Matemática por outro Alvará da
mesma data. Pois, tendo passado a receber 100.000 reais, “ perde a moradia
que tem do infante dom amrrique meu muito amado e prezado Irmão”( Mário
Brandão, Documentos de D. João III, vol. II, págs. 207 e 208).
Em 1546 e em Coimbra, sai dos prelos de
João Alvarez e João Barreira o DE
ERRATIS ORONTII FINAEI.
Por carta de 22 de Dezembro de 1547, D.
João III “ faz saber a quantos esta minha carta virem que avendo eu
respeito aos serviços que me tem feitos
e espero que ao diante fara o doutor Pero Nunez, meu cosmógrafo, e polla boa
informação que tenho de suas letras e substancia, e por folgar de lhe fazer
merce, tenho por bem e me praz de o
acrecentar a meu cosmografo moor, e lhe faço merce do dito oficio e quero
que elle tenha e goze de todos os priuilegios , liberdades, graças e
franquezas, que por rezão do dito oficio lhe direitamente pertencerem e asy que
tenha e aja com elle de ordenado em cada
hum anno cinquoenta mil rs,” ( Sousa Viterbo, Trabalhos Náuticos dos
Portugueses nos Séculos XVI e XVII, 1897, Parte I, pág.225-6).
Como se constata da acta do Conselho de 21
de Março de 1553, o lente de Matemática deslocava-se com frequência à corte,
convocado pelo rei, tornando-se necessário proceder à sua substituição durante
a sua ausência ( Actas dos Conselhos da Universidade de 1537 a 1557, Vol. II,
II Parte, pág. 34).
Pela acta do Conselho de 12 de Novembro de
1556, ficamos a saber que “ o doutor Pero nunez Cosmographomor que elle era
deputado e mais antigo em grao de doutor em mediçina que ninhum dos outros
deputados “ ( Actas …Vol. II, III Parte, pág.316). Embora lente de Matemática e
cosmógrafo-mor do reino, o grau académico de Pedro Nunes era Doutor em
Medicina.
No Conselho de 20 de Dezembro de 1557, “
apresentou o Doutor Pedro Nunes cosmógrafo
mor hum alvará delRei nosso Senhor de lembrança começava Eu elRei faço saber a
quantos este alvara virem que avia por bem que os quatro anos que ade residir
na sua corte emtemdendo nas cartas de
marear e exame dos pilotos e em outras
cousas de seu serviço e así os três anos que leo artes na universidade de
lisboa que se transferiu a esta cidade juntamente com matemáticas se lhe
ajuntem aos treze anos que nesta universidade tem lido pera jubilar com oitenta mil reais “…( id. vol III,
pág.94).
Da transcrição do dito alvará
decorre que a rainha-regente, D. Catarina
- D. João III havia falecido a 11 de Junho - pretendia que Pedro Nunes deixasse as aulas na
universidade para trabalhar na corte, nas cartas de marear, e ensino e exame dos pilotos, para além de outras coisas
e que os quatro anos em que iria trabalhar na corte contassem para a sua jubilação
com oitenta mil reais em cada ano, a pagar pela Universidade. O que não foi bem
recebido pela Universidade.
No entanto, em 1562 o Doutor Pedro Nunes jubila-se
com oitenta mil reais, a pagar em cada ano, em dias da sua vida, como, de forma
definitiva, ordenou D. Catarina, por carta de 22 de Julho de 1562- “ … sua
Alteza manda que se receba sua jubilação
e se lhe não rescreva mais sobre isso” ( Dr. J.M.Teixeira de Carvalho, Homens
de Outros Tempos, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1924, pág.98). E, desta
forma, pôs a Rainha ponto final à contenda, que opunha a Universidade à corte.
Em 1566, Pedro Nunes, já jubilado, faz publicar em Basileia o DE ARTE
ATQUE RATIONE NAUIGANDI
LIBRI DUO, bem como os outros
escritos latinos, acima descritos.
Em 1567, Pedro Nunes publica em Antuérpia a sua obra
“ Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria “, que, em carta
datada de 1564, dedica ao cardeal D. Henrique, justificando, nos termos que se
seguem, a sua opção pela língua de Cervantes: “ E primeiramente a escreui em
nossa lingoa Portuguesa, e assi a uio V.A. mas despois considerando que ho bem
quanto mais commum e universal, tanto he mais excelente, e
porque a lingoa castelhana he mais comum em toda a Espanha que a nossa, por esta causa a quis trasladar
em lingoa castelhana para nella se auer de imprimir, porque não careça della
aquella nação tanto nossa vizinha, com a qual tanto communicamos, e tanta
amizade temos. “( Pedro Nunes, Obras, vol. VI, Imprensa Nacional, 1950, pág.
XIV-XV). Na mesma carta, Pedro Nunes lembra que a obra já se encontrava escrita
há trinta anos. Muito antes, portanto, de se tornar lente de Matemática na
Universidade de Coimbra e antes também do Tratado da Esfera.
E em 1573 faz sair dos prelos de António
Mariz , devidamente corrigidas, as obras que havia publicado em Basileia, a que
o impressor junta o De crepusculis e o De Erratis Orontii, que tinham sido por
ele impressas em 1571, alterando nestas o último algarismo do ano de impressão,
como acima já se fez menção.
O Doutor Pedro Nunes, como o deixa
transparecer na carta nuncupatória do De crepusculis, datada de 17 de Outubro
de 1541, era uma pessoa que não gozava de muita saúde, pois aí se desculpa pelo
atraso na tradução de Vitrúvio, nos seguintes termos: “ Nam prae aduersa ualetudine inchoatum opus
et supra quam dimidiatum non absolui – Com efeito por causa da falta de
saúde não acabei a obra que havia começado e já ia a mais de meio”. Aliás, as
suas frequentes viagens de Coimbra para a corte também devem ter contribuído para
o seu enfraquecimento.
O Doutor Pedro Nunes veio a falecer a 11 de
Agosto de 1578, poucos dias após o tresloucado e trágico desastre de Alcácer
Quibir. Há quem diga que a sua morte foi precipitada pelo desgosto que, em
Janeiro desse mesmo ano, havia sofrido –a famosa história da “Dama da
Cutilada”. A qual se encontra descrita
por vários autores, entre eles , Duarte
Nunes de Leão, contemporâneo, e Alberto
Pimentel, em “ Portugal de Cabelerira”.
Por se tratar da descrição impressa mais antiga
que se conhece, e ser da autoria de um contemporâneo, vou transcrever o relato,
feito por Duarte Nunes de Leão ( 1530-1608), de quem mais à frente nos
ocuparemos:
“ E para que se veja que em toda a idade
tem as Portuguesas ânimos generosos, e varonis diremos o que pouco há aconteceu a algumas donzelas a que nem a
pouca idade nem o sexo feminil impedio a
execução de seus bons spiritos. Destas foi uma donzela moça de pouca idade per
nome Dona Guiomar que com seu pai o doctor Pero Nunez Cosmographo mór del Rei
estava em Coimbra. Esta tendolhe
promettido hum filho de hum cidadão seu vizinho que casaria com ella e
não comprindo sua promessa o mandou
citar perante o Bispo da mesma cidade que as preguntas lhe quis fazer na igreja
de S. João. E negando o mancebo a promessa que fizera, ella de improviso lançou
mão a hum caniuete de hum estojo que consigo trazia para seus lauores e lhe deu
uma grande cutilada pelo rostro. Feito isto se volueo ao altar pedidndo perdão
a Deos e despois ao Bispo. O qual a mandou depositar ate ver o que se hauia de
fazer no caso. E porque ella soube que todos parentes e amigos do ofendido e muita gente armada com
eles estalão na ponte do Mondego per onde suspeitauão que passasse para o
moesteiro de S. Clara onde seu pai a queria meter freira, ella com grande animo
se mandou leuar aas costas de hum trabalhador escondida em huma grande canastra em que leuaua para o dito
moesteiro de Sancta Clara cera e cousas para o officio da semana sancta,
animando ao que a leuaua que não temesse que Deos a quem ia seruir os
guardaria. E assi foi entre aquelles tantos homens armados ao moesteiro onde as
freiras que já tinham recado a esperauão com grande alvoroço: e hi stâ hoje
freira professa” ( Descrição do Reino de Portugal, Lisboa, Jorge Rodriguez,
1610, fól. 147 v.)
Quer Duarte Nunes de Leão, quer Alberto
Pimentel na sua citada obra, publicada em Pará , em 1875, não fazem menção do
ofendido. Foi por um manuscrito do século XVII, existente na Biblioteca da
Universidade de Coimbra, que ficamos a saber que se trata de Heitor de Sá. Este
manuscrito, que o Dr. Augusto Mendes Simões de Castro publicou em 1880, vem transcrito
na íntegra pelo Dr. J.M. Teixeira de Carvalho, que conclui que a cutilada
ocorreu em 18 de Janeiro de 1578 ( obr. cit. pág. 111 e sgs.).
Poucos meses antes da sua morte, tinha-lhe
chegado às mãos um pedido papal para que se pronunciasse por escrito sobre o
projecto de reforma do calendário gregoriano. “ Ainda em 3 de Agosto de 1578,
Monsenhor Roberto Fontana escrevia num ofício para Roma que, apesar dos
esforços empreendidos, o atraso na resposta de Pedro Nunes, singolarissimo in questa professione,
se devia à sua falta de saúde por estar velho e enfermo. Sobre esse assunto
ficaram apenas os ecos do que pensava Pedro Nunes transmitidos por Frei Luís de
Sotto Mayor numa carta enviada à corte, onde dá testemunho de que Pedro Nunes
por estar tão doente não pode tratar do assunto como desejaria. No entanto,
segundo afirmou Sotto Mayor, o ilustre matemático ainda lhe expressara
oralmente a sua opinião: < estando na cama muito doente pouqos dias antes
que morresse , me disse ser de parecer que se fizesse nenhuma mudança no
Kalendario>” ( Maria Teresa Lopes Pereira, Pedro Nunes, Em busca das suas
origens, Edições Colobri, 2009,
pág.127-8).
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