domingo, 28 de outubro de 2012


 

                                      PALMEIRIM  DE  INGLATERRA

 

 

                                                                                        FRANCISCO  MARQUES

                                                                

 

    Este é o romance de cavalaria  mais famoso, publicado no século XVI. É seu autor  FRANCISCO  DE MORAIS, que o editou na cidade de Évora em  1567, nos prelos de  André de Burgos. Era tão alto o valor em que era tido que CERVANTES, no seu D. Quixote se lhe refere nos seguintes termos : “…e essa palma de Inglaterra se guarde e conserve como coisa única e se faça  para ela outro cofre, como o que  achou  ALE-

XANDRE nos despojos de DARIO, que o destinou para nele se guardarem  as obras do poeta HOMERO. Este livro, senhor compadre , tem autoridade por duas coisas: primeiro, porque é de si  muito bom; segundo, por ter sido seu autor um discreto  Rei de Portugal” (1). Talvez, por isso, MANUEL FARIA Y SOUSA  escreveria  mais tarde :…” o Palmeirim de Inglaterra, escrito por FRANCISCO  DE MORAES, no tempo de D. João III, obra que alguns acreditaram ser do Rei D. João II “.(2)

Na verdade, Francisco de Morais  viveu no tempo de D. João III, foi amigo íntimo do conde de Linhares, D. Francisco de Noronha, acompanhando-o como seu secretário particular, quando este em 1540  foi nomeado embaixador português em França. E aí permaneceu  vários anos . Em Paris enamorou-se de uma donzela, de nome Torsy, como resulta dos DIÁLOGOS, publicados, postumamente, em 1624.

Hoje , é pacífica, a atribuição da autoria do PALMEIRIM DE INGLATERRA  a Francisco de Morais. Sobretudo, depois  de  WILLIAM  EDWARD  PURSER, em 1904, o ter demonstrado ,sem margem para dúvidas, na sua obra “ Palmeirim of England: Some remarks on this romance and controversy concerning its author ship,- Dublin.”. Mas já em 1807, ROBERT  SOUTHEY, no prefácio da sua tradução do original português para inglês, defende a tese da autoria portuguesa daquela celebérrima  obra.. Um  dos argumentos  por ele esgrimidos , em defesa da  autoria  portuguesa, prende-se com o facto de parte da acção se desenrolar no castelo de ALMOUROL, no rio Tejo.(3)

A controvérsia  sobre a autoria  da obra em causa  resulta do facto de, em 1547 , ter sido publicada  em Toledo,em  Espanha,  a obra  “ Libro del muy efforçado cavallero Palmerin de Inglaterra hijo d’elrey don Duardos “. Isto é, vinte anos antes  da edição portuguesa. Salvá  atribuía a sua autoria a  Miguel Ferrer ou Luís Hurtado, não passando a edição portuguesa de uma versão da castelhana ( 4). Mas a  tese da autoria portuguesa ainda se tornava mais difícil de sustentar , face à existência  de uma edição francesa de 1553, saída dos prelos da cidade de  Lião e outra italiana . publicada em Veneza, em 1555.

 Para  ROBERT SOUTHEY , não é caso único as traduções  saírem à luz do dia antes do próprio original. Para este autor , a intrinsecidade do PALMEIRIM DE INGLATERRA   evidencia que o seu autor é português  e este é FRANCISCO DE MORAES (5).

Um século mais tarde, autores como MENENDEZ Y PELAYO, o já citado PURSER, MENDES DOS REMÉDIOS, FIDELINO DE FIGUEIREDO e AUBREY BELL, entre outros, arrumaram definitivamente a questão, .a favor nosso FRANCISCO DE MORAIS.(6).

Houve até quem colocasse a dúvida  sobre se a edição francesa  teria alguma vez existido. FRANCISCO LEITE DE FARIA escreveria em 1977: “ Sobre a suposta ed. anterior, impressa na França ou em Flandres, nada sabemos dizer e duvidamos até  de que tenha existido” (7).

È pena que aquele incansável investigador já não pertença ao mundo dos vivos, porque teria  oportunidade de  varrer aquela dúvida  É  que a edição francesa  não só existiu, como ainda  dela existe um exemplar, pelo menos , que se encontra em magnífico estado  de conservação,  adquirido a um alfarrabista holandês .

É óbvio que Leite de Faria também poderia querer referir-se a uma impressão em português, anterior à de Évora. Quanto a isso, agora não restam dúvidas. Pois , Eugenio Asensio encontrou na Hispanic Society  de Nova Iorque um exemplar da edição de Évora, completo de rosto, dedicatória e cólofon , único exemplar completo conhecido. E  o título estampado na portada, na sua parte inferior remata assim :  Vay corregida  e emendada nesta  terceira impressam  de algus erros: impressa na cijdade  Devora. 1564.  E no cólofon podemos ler : Acabouse  a XXV dias  do mês de Junho. Anno do nacimento de nosso senor  Jesu Christo de  M D LXVII.( Eugenio Asensio, El Palmerim de Inglaterra. Conjeturas y Certezas in GARCIA  DE ORTA, Revista da Junta de Investigações do Ultramar,Número Especial, 1972,pág. 127 e segs.) Daqui se infere, sem margem para dúvidas, que antes de 1564 houve mais duas impressões totalmente desconhecidas, e que a de Évora começou em 1564 mas só terminou em 1567, a 25 de Junho. É verdade que a edição de Évora não menciona o seu autor. Era usual naquele tempo as novelas de cavalaria bem como as obras de teatro não mencionarem o seu autor. Foi o que  aconteceu com a primeira edição da Castro do Doutor António Ferreira, em 1587, e tinha acontecido com a comédia Do Fanchono, do mesmo autor, impressa em 1562, em Coimbra.

     A primeira impressão do Palmeirim de Inglaterra ocorreu antes de 1543. É que nos Lusíadas ressoam ecos, provenientes da leitura que Camões fez daquela famosíssima novela de cavalaria, como o demonstrou José Maria Rodrigues em Fontes dos Lusíadas,( Lisboa,1979) pág.401-509. E não foi a edição de 1564-1567 que Camões leu. Então ainda se encontrava no Oriente . Tudo leva a crer que foi durante a sua estadia na casa dos Condes de Linhares, para onde foi em 1543 e de quem era secretário Francisco Morais, que Luis de Camões leu o Palmeirim de Inglaterra ou até terá  sido presenteado com um exemplar pelo seu autor. Pois, ” As obras de Camões põem fora de dúvida  que lhe eram familiares  aquelas leituras predilectas da sua época” ( Wilhelm Storck, Vida e Obra de Luis de Camões, Lisboa, 1897, pág.295). As pequenas tiragens que então se faziam e uso intenso  a que esse género de livros estava submetido, desgastando-os rapidamente, fizeram com que não tivesse chegado até nós qualquer exemplar das duas primeiras impressões. Pelo menos, até agora não foi localizado nenhum. O que não quer dizer que não possa aparecer, como aconteceu com   o acima mencionado. Foi uma dessas duas edições,  anteriores  a 1567, que serviu de base à  aludida edição espanhola e esta à francesa.  

 

                                                      

                                                                                

 

 

NOTAS:

          (!)-CERVANTES, EL INGENIOSO HIDALGO DON QUIXOTE DE LA MANCHA, MADRID,1787 TOMO I, pag. 57

           (2)-MANUEL FARIA Y SOUSA, EUROPA PORTUGUESA,1680, TOMO III,pag. 372;

           (3)- ROBERT  SOUTHEY, PALMERIN OF ENGLAND,1807,vol.I,pag.xv;

           (4)- D.PEDRO SALVÁ Y MALLEN,CATALOGO DE LA BIBLIOTECA DE SALVÁ, 1872,TOMO II,pag.84 e segs.;

            (5)-ROBERT SOUTHEY, idem et ibidem;

            (6)-D. MANUEL II,LIVROS ANTIGOS PORTUGUESES,vol.II, pag.757;

            (7)-FRANCISCO LEITE DE FARIA,ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS SOBRE DAMIÃO DE GÓIS E  A SUA ÉPOCA,pag.241.

            (8) – Eugenio Asensio, Palmerim de Inglaterra. Conjeturas y Certezas in GARCIA  DE ORTA, Revista da Junta de Investigações do Ultramar,Número Especial, 1972,pág. 127 e segs

             (9) - Wilhelm Storck, Vida e Obra de Luis de Camões, Lisboa, 1897, pág.295.