quinta-feira, 15 de novembro de 2012


 

 

                                           AS  RIMAS  DE  LUIS  DE  CAMÕES

 

 

 

    Tanto quanto me é dado saber , a terceira edição das Rimas foi impressa em Lisboa, em 1607, por Pedro Crasbeeck. Só que aparecem duas versões distintas. Uma ostenta no rosto a esfera armilar e outra  o escudo das armas de Portugal. O catálogo da biblioteca de  M. Fernando Palha descreve-as sob os nºs 1618 e 1619, respectivamente. A sua descrição coincide com a que o saudoso Prof. Pina Martins faz  em    OS  LUSÍADAS , 1572-1972, CATÁLOGO  DA  EXPOSIÇÃO BIBLIOGRÁFICA, ICONOGRÁFICA E MEDALHÍSTICA DE  CAMÕES”, 1972.pág.61. Nos exemplares aí descritos , o da esfera tem apenas quatro fólios preliminares, não numerados, enquanto o do  escudo de armas  tem oito fólios. No entanto, os exemplares que possuo, de uma e outra versão, apresentam-se com os sete fólios subsequentes, não numerados, perfeitamente iguais, quer do ponto de vista gráfico quer ortográfico. Enquanto os fólios numerados – 202- se apresentam com assinaláveis diferenças, quer gráficas, quer ortográficas. Mas a taboada apresenta-se com igual grafia, embora com algumas variantes ortográficas. No entanto, o que mais as distingue, para além frontispício, é a existência de mais um soneto na versão da esfera. Pois, enquanto esta tem 105 sonetos, a outra tem 104, embora o último desta seja também o último daquela. Á versão do escudo falta o soneto que na da esfera tem o número 104. Mas, o mais curioso é que a taboada menciona-o, apesar de o não trazer. Pois, no fólio 27 apenas aparece um soneto e último - o 104 -, enquanto na versão da esfera, o fólio 27 trás dois sonetos - o 104 e o 105.Por isso, - pelo menos, nestes dois exemplares da minha biblioteca – não “ há  uma correspondência perfeita quanto ao texto de cada página “, como refere aquele ilustre e saudoso Professor.

     Pedro Crasbeeck – o maior impressor em Portugal nos finais do século XVI e primeiro quartel do século XVII – ao imprimir a “Côrte na Aldeia” de Francisco Rodrigues Lobo, em 1619, fez uma edição ordinária e outra mais luxuosa, como refere Ricardo Jorge, em “Francisco  Rodrigues Lobo” pág.394. Da mesma forma, estou convencido, fez com as “Éclogas”, publicadas em 1605. Pois, além do conhecido exemplar com a lindíssima gravura  com os pombos voando sobre os montes, eu possuo um exemplar em que esse frontispício é substituído por um muito singelo, com uma gravura muito parecida com a  do “Pastor Peregrino” impresso em 1608, também por aquele famoso impressor. Por isso, não é de excluir que Pedro Crasbeeck tenha feito em 1607 com as “ Rimas “, aquilo que tinha feito antes com as “ Éclogas”. E aproveitou para incluir, numa delas, um soneto, que, entretanto, lhe teria chegado às mãos, como sendo da autoria do nosso imortal Camões.

 

domingo, 28 de outubro de 2012


 

                                      PALMEIRIM  DE  INGLATERRA

 

 

                                                                                        FRANCISCO  MARQUES

                                                                

 

    Este é o romance de cavalaria  mais famoso, publicado no século XVI. É seu autor  FRANCISCO  DE MORAIS, que o editou na cidade de Évora em  1567, nos prelos de  André de Burgos. Era tão alto o valor em que era tido que CERVANTES, no seu D. Quixote se lhe refere nos seguintes termos : “…e essa palma de Inglaterra se guarde e conserve como coisa única e se faça  para ela outro cofre, como o que  achou  ALE-

XANDRE nos despojos de DARIO, que o destinou para nele se guardarem  as obras do poeta HOMERO. Este livro, senhor compadre , tem autoridade por duas coisas: primeiro, porque é de si  muito bom; segundo, por ter sido seu autor um discreto  Rei de Portugal” (1). Talvez, por isso, MANUEL FARIA Y SOUSA  escreveria  mais tarde :…” o Palmeirim de Inglaterra, escrito por FRANCISCO  DE MORAES, no tempo de D. João III, obra que alguns acreditaram ser do Rei D. João II “.(2)

Na verdade, Francisco de Morais  viveu no tempo de D. João III, foi amigo íntimo do conde de Linhares, D. Francisco de Noronha, acompanhando-o como seu secretário particular, quando este em 1540  foi nomeado embaixador português em França. E aí permaneceu  vários anos . Em Paris enamorou-se de uma donzela, de nome Torsy, como resulta dos DIÁLOGOS, publicados, postumamente, em 1624.

Hoje , é pacífica, a atribuição da autoria do PALMEIRIM DE INGLATERRA  a Francisco de Morais. Sobretudo, depois  de  WILLIAM  EDWARD  PURSER, em 1904, o ter demonstrado ,sem margem para dúvidas, na sua obra “ Palmeirim of England: Some remarks on this romance and controversy concerning its author ship,- Dublin.”. Mas já em 1807, ROBERT  SOUTHEY, no prefácio da sua tradução do original português para inglês, defende a tese da autoria portuguesa daquela celebérrima  obra.. Um  dos argumentos  por ele esgrimidos , em defesa da  autoria  portuguesa, prende-se com o facto de parte da acção se desenrolar no castelo de ALMOUROL, no rio Tejo.(3)

A controvérsia  sobre a autoria  da obra em causa  resulta do facto de, em 1547 , ter sido publicada  em Toledo,em  Espanha,  a obra  “ Libro del muy efforçado cavallero Palmerin de Inglaterra hijo d’elrey don Duardos “. Isto é, vinte anos antes  da edição portuguesa. Salvá  atribuía a sua autoria a  Miguel Ferrer ou Luís Hurtado, não passando a edição portuguesa de uma versão da castelhana ( 4). Mas a  tese da autoria portuguesa ainda se tornava mais difícil de sustentar , face à existência  de uma edição francesa de 1553, saída dos prelos da cidade de  Lião e outra italiana . publicada em Veneza, em 1555.

 Para  ROBERT SOUTHEY , não é caso único as traduções  saírem à luz do dia antes do próprio original. Para este autor , a intrinsecidade do PALMEIRIM DE INGLATERRA   evidencia que o seu autor é português  e este é FRANCISCO DE MORAES (5).

Um século mais tarde, autores como MENENDEZ Y PELAYO, o já citado PURSER, MENDES DOS REMÉDIOS, FIDELINO DE FIGUEIREDO e AUBREY BELL, entre outros, arrumaram definitivamente a questão, .a favor nosso FRANCISCO DE MORAIS.(6).

Houve até quem colocasse a dúvida  sobre se a edição francesa  teria alguma vez existido. FRANCISCO LEITE DE FARIA escreveria em 1977: “ Sobre a suposta ed. anterior, impressa na França ou em Flandres, nada sabemos dizer e duvidamos até  de que tenha existido” (7).

È pena que aquele incansável investigador já não pertença ao mundo dos vivos, porque teria  oportunidade de  varrer aquela dúvida  É  que a edição francesa  não só existiu, como ainda  dela existe um exemplar, pelo menos , que se encontra em magnífico estado  de conservação,  adquirido a um alfarrabista holandês .

É óbvio que Leite de Faria também poderia querer referir-se a uma impressão em português, anterior à de Évora. Quanto a isso, agora não restam dúvidas. Pois , Eugenio Asensio encontrou na Hispanic Society  de Nova Iorque um exemplar da edição de Évora, completo de rosto, dedicatória e cólofon , único exemplar completo conhecido. E  o título estampado na portada, na sua parte inferior remata assim :  Vay corregida  e emendada nesta  terceira impressam  de algus erros: impressa na cijdade  Devora. 1564.  E no cólofon podemos ler : Acabouse  a XXV dias  do mês de Junho. Anno do nacimento de nosso senor  Jesu Christo de  M D LXVII.( Eugenio Asensio, El Palmerim de Inglaterra. Conjeturas y Certezas in GARCIA  DE ORTA, Revista da Junta de Investigações do Ultramar,Número Especial, 1972,pág. 127 e segs.) Daqui se infere, sem margem para dúvidas, que antes de 1564 houve mais duas impressões totalmente desconhecidas, e que a de Évora começou em 1564 mas só terminou em 1567, a 25 de Junho. É verdade que a edição de Évora não menciona o seu autor. Era usual naquele tempo as novelas de cavalaria bem como as obras de teatro não mencionarem o seu autor. Foi o que  aconteceu com a primeira edição da Castro do Doutor António Ferreira, em 1587, e tinha acontecido com a comédia Do Fanchono, do mesmo autor, impressa em 1562, em Coimbra.

     A primeira impressão do Palmeirim de Inglaterra ocorreu antes de 1543. É que nos Lusíadas ressoam ecos, provenientes da leitura que Camões fez daquela famosíssima novela de cavalaria, como o demonstrou José Maria Rodrigues em Fontes dos Lusíadas,( Lisboa,1979) pág.401-509. E não foi a edição de 1564-1567 que Camões leu. Então ainda se encontrava no Oriente . Tudo leva a crer que foi durante a sua estadia na casa dos Condes de Linhares, para onde foi em 1543 e de quem era secretário Francisco Morais, que Luis de Camões leu o Palmeirim de Inglaterra ou até terá  sido presenteado com um exemplar pelo seu autor. Pois, ” As obras de Camões põem fora de dúvida  que lhe eram familiares  aquelas leituras predilectas da sua época” ( Wilhelm Storck, Vida e Obra de Luis de Camões, Lisboa, 1897, pág.295). As pequenas tiragens que então se faziam e uso intenso  a que esse género de livros estava submetido, desgastando-os rapidamente, fizeram com que não tivesse chegado até nós qualquer exemplar das duas primeiras impressões. Pelo menos, até agora não foi localizado nenhum. O que não quer dizer que não possa aparecer, como aconteceu com   o acima mencionado. Foi uma dessas duas edições,  anteriores  a 1567, que serviu de base à  aludida edição espanhola e esta à francesa.  

 

                                                      

                                                                                

 

 

NOTAS:

          (!)-CERVANTES, EL INGENIOSO HIDALGO DON QUIXOTE DE LA MANCHA, MADRID,1787 TOMO I, pag. 57

           (2)-MANUEL FARIA Y SOUSA, EUROPA PORTUGUESA,1680, TOMO III,pag. 372;

           (3)- ROBERT  SOUTHEY, PALMERIN OF ENGLAND,1807,vol.I,pag.xv;

           (4)- D.PEDRO SALVÁ Y MALLEN,CATALOGO DE LA BIBLIOTECA DE SALVÁ, 1872,TOMO II,pag.84 e segs.;

            (5)-ROBERT SOUTHEY, idem et ibidem;

            (6)-D. MANUEL II,LIVROS ANTIGOS PORTUGUESES,vol.II, pag.757;

            (7)-FRANCISCO LEITE DE FARIA,ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS SOBRE DAMIÃO DE GÓIS E  A SUA ÉPOCA,pag.241.

            (8) – Eugenio Asensio, Palmerim de Inglaterra. Conjeturas y Certezas in GARCIA  DE ORTA, Revista da Junta de Investigações do Ultramar,Número Especial, 1972,pág. 127 e segs

             (9) - Wilhelm Storck, Vida e Obra de Luis de Camões, Lisboa, 1897, pág.295.

 

                        

terça-feira, 22 de maio de 2012

AS ORDENAÇÕES MANUELINAS 500 ANOS DEPOIS

                              AS  ORDENAÇÕES  MANUELINAS, 500 ANOS DEPOIS

         As ordenações manuelinas foram as primeiras a ser impressas. Pois, as que até aí se encontravam em vigor , as ditas Afonsinas, só foram impressas no século XVIII, mais concretamente em 1792, na Real Typographia da Universidade de Coimbra. O grande Bispo de Silves, D. Jerónimo Osório, diz-nos que D. Manuel “ nesse ano (1505) acrescentou muitas leis às leis antigas e corrigiu as antigas Ordenações – Eodem anno Rex leges multas vetustis legibus addidit, et antiqua instituta correxit ( De Rebus Emmanuelis Gestis,Coloniae Agrippinae,1574,fól. 125 verso). E Damião de Góis conta-nos que El Rei Dom Emanuel….começou neste anno de mil quinhentos e cinco hum  negocio de muito trabalho, que foi mandar reformar as leis e ordenações antíguas do regno e acrescentar nellas algumas cousas que lhe pareceram necessárias( Chronica Del Rei Dom Emanuel,1619,fól.74) . E, no último capítulo da citada obra, Góis escreve “  Mandou por homens doctos de seu conselho visitar e rever os cinco livros das ordenações, que el Rei Dom. Afonso quinto, seu tio fez reformar, sendo regente o Infante dom Pedro seu tio, por elle ser de menoridade, nas quaes mandou deminuir e acrescentar aquillo que pareceo necessário para bom regimento do regno, e ordem da justiça, no que se trabalhou muito e tanto tempo que foi a mor parte de tudo o que elle regnou”(idem, fól.345 verso). Foi em resultado desse longo trabalho que em 1512 e 1513 saem dos prelos de Valentim Fernandes os cinco livros das chamadas Ordenações Manuelinas.
      Os especialistas têm-se dividido entre considerar que a primeira edição das Ordenações Manuelinas começou a ser impressa em 1512, por Valentim Fernandes, que teria imprimido os dois primeiros livros em Lisboa - o primeiro em 1512 e o segundo em 1513, como os descrevem D. Manuel no 3º volume da sua obra “ Livros Antigos Portuguezes Impressos no Século XVI 1489-1600” e António Joaquim Anselmo no nº556 da sua conhecida “Bibliografia dos Iivros Impressos em Portugal no Século XVI”- e concluída em 1514, em Lisboa, por João Pedro Buonhomini, de Cremona, que imprimiu os livros terceiro, quarto e quinto. Essa é tese defendida por Américo Cortez Pinto na sua obra “ Da Famosa  Arte da Imprimissão, publicada em 1948 ( pág. 43 e segs.) Este autor e os seus prosélitos esqueceram ou não deram a devida relevância ao facto de os exemplares de 1514 trazerem no início de cada um dos cinco livros “ Novamente corrigido na segunda empressam”, tal como os descreve D. Manuel na sua citada e valiosíssima  obra. Ora, se os livros impressos pelo cremonês, em 1514, constituíam a segunda “empressam”, é porque tinha havido uma primeira. No entanto, o próprio D. Manuel, porque os livros primeiro e segundo de 1514, têm datas de impressão posteriores aos restantes três, também foi levado a concluir, na esteira de outros, que os livros terceiro, quarto e quinto faziam parte da primeira edição- apesar de dizerem expressamente “segunda empressam”, digo eu, e só os dois primeiros é que seriam de uma segunda edição. Mas o tempo veio dar razão aos que pensavam que aquela expressão, contida nos livros impressos em 1514, não era vã, mas, antes, a afirmação de uma realidade, agora indesmentível. Isto é, a edição do alemão Valentim Fernandes, constituída também por cinco livros, é a primeira edição das Ordenações Manuelinas e a do cremonês, impressa em 1514, é, de facto, a segunda edição daquelas ordenações, como nas mesmas é referido. Pois, os cinco livros impressos por Valentim Fernandes foram encontrados em Roma, na Biblioteca Casanatense. Desse exemplar foi feita uma reprodução fac-similada, editada em cinco volumes, em 2002, pelo Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, com introdução de João José Alves Dias. È dessa edição que me sirvo. Por aí se constata que o quinto livro foi o primeiro a ser impresso, pois a sua impressão acabou-se aos “30 dias de Março de mil quinhentos e doze anos”.  Seguiu-se o quarto livro cuja impressão terminou “ aos 19 dias de Junho de mil e quinhentos e doze anos. Ano 17 do regnado do dito Senhor”. O terceiro, que se encontra incompleto, acabou-se de imprimir “aos 30 dias de Agosto de quinhentos e doze anos”. E eram estes os três livros cuja existência muito boa gente negava. Pois, os dois primeiros vinham descritos, quer por D. Manuel, quer por Anselmo, como já foi referido.
     Porque a primeira edição se esgotara rapidamente, D. Manuel encarrega o já citado João Pedro de Cremona de proceder a nova impressão, ordenando-lhe que imprimisse um exemplar em pergaminho. É este exemplar que se encontra na Torre do Tombo, no dizer de Deslandes. ( Documentos para a Historia da Typographia Portugueza nos séculos XVI e XVII,1881,pag-9). No entanto, D. Manuel não está satisfeito com as ordenações em vigor, e manda fazer uma nova impressão ao alemão Jacob Cronberger, que já em 1508 havia sido convidado pelo rei a exercer a sua actividade de impressor em Portugal. E a nova impressão sai dos prelos em 1521, sendo os livros primeiro e quarto impressos em Évora, e os segundo, terceiro e quinto em Lisboa. Aliás, o quinto livro “ foi impresso em ha çidade de Lixboa  por Jacobo Cronberguer alemam aos onze dias do mês de Março ,anno de mill e quinhentos e vinte e hum anos” . A preocupação de D. Manuel com a melhoria das ordenações já vinha de trás. Pois, no seu testamento datado de 7 de Abril de 1517 e redigido por António  Carneiro, podemos ler: “ Item me parece que sera  muito serviço de N. Senhor e descarrego da consciencia  de quem governar estes Reinos  e de quem os tever, acabarem-se de correger os foraes da maneira que tenho mandado, e isso mesmo as Ordenaçoens, porem muito encomendo que naquela maneira em que tenho ordenado se acabe”( António Caetano de Sousa, Provas da Historia Genealógica da Casa Real Portuguesa, 1742,Tomo II, pág.333).
     A edição de 1521 acaba de ser impressa a 11 de Março desse mesmo ano, e, por carta régia do dia 15 do mesmo mês, D. Manuel manda destruir todos os exemplares das edições anteriores, ameaçando até com pena de degredo por dois anos a quem o não tiver feito, decorridos três meses sobre aquela data. Assim se explica a extrema raridade dos exemplares das edições de Valentim Fernandes e de João Pedro Buonhomini de Cremona.
    No verso do frontispício do exemplar, que possuo, da edição de 1539, vem um alvará de D. João III, redigido nestes termos: “ Eu elrey faço saber a quantos este meu alvará virem  que por saber que dos livros das ordenações que elrey meu senhor e padre, que santa gloria haja, mandou emprimir  nam havia já ninhuns para vender. E que muitas partes tinham necessidade de as aver e as nam achavam. Mandey que Luys Rodriguez meu livreyro empremisse outras taes como as que o dito senhor fez de verbo a verbo sem mudar nem acrescentar nem tirar nenhuma palavra nem letra…” Este alvará está datado de 17 de Junho de 1533 .De onde se depreende que deverá haver outra edição anterior a esta, uma vez que decorrem seis anos entre um e outra. E, na verdade , Anselmo, na sua citada obra e sob o nº 672, descreve uma edição, com o mencionado alvará régio, cujos quatro primeiros livros são impressos pelo francês Germão Galharde,em Lisboa, sem qualquer data, mas o quinto livro “ foi impresso em a çidade de Lixboa por Jacome Cronberguer alemam: aos onze dias do mês de Março:anno de mil quinhentos e vinte e hum anos.Deo graçias.”. Como se vê o cólofon do quinto livro é idêntico ao cólofon do quinto livro  da edição de 1521, apenas com a diferença de que nesta última o impressor é Jacob Cronberguer e na dita de  1533 é Jacome Cronberguer. No entanto, tal pode dever-se tão somente ou a um lapso ou a um erro tipográfico.
    Ao  meu exemplar da edição de 1539 falta-lhe a fólio do cólofon do segundo livro, mas os do primeiro, terceiro e quarto livros, mencionam que “ foi impresso em ha çidade de Sevilla em casa de Juan Cronberger. Mas o cólofon do quinto livro é também o da edição de 1521. Pois reza assim :” Foi impresso em ha çidade de Lixboa por Jacobo Cronberguer alemão aos onze dias do mês de Março. Anno de mil e quinhentos e 21 annos.  Deo gratias” . E de pois  “ Terceira impressam.1539 annos “ E em cada um dos dois fólios que seguem volta a apresentar “ Terceira impressam de 1539”.
     Para esta ser a terceira impressão, é porque houve uma segunda e, obviamente,uma primeira. Esta, em consequência da ordem de destruição, dada por D. Manuel e acima referida, de todos os exemplares das duas edições anteriores, só pode ser a 1521, e, a segunda, a impressa por força do alvará de 17 de Junho de 1533,acima transcrito. O que elimina a eventual existência de uma impressão de 1526, como alguns aventaram. Aliás, os termos, em que se encontra redigido o aludido alvará, afastam a possibilidade de ter havido outra impressão posterior a 1521- ano do falecimento de D. Manuel, em 13 de Dezembro- e anterior àquele diploma régio.
     Como se extrai do aludido alvará, é ao seu livreiro Luis Rodrigues que D. João III manda imprimir “ outras taes como as que o dito senhor fez de verbo a verbo sem mudar nem acrescentar nem tirar nehuma palavra nem letra”. Só que Luis Rodrigues, em 1533, era tão só livreiro. Só nos fins de 1539, é que se tornou impressor, depois de ter ido a Paris fornecer-se de bom material para a nobre arte de impressão, como o próprio declara no prólogo da famosíssima obra do Padre Francisco Álvares, “Verdadera Informaçam das terras do Preste Joam”, saída dos seus prelos em 1540. Por isso,Luis Rodrigues encomendou a impressão ao francês Germão Galharde, impressor em Lisboa e o mais fecundo do século XVI, depois de João de Barreira, segundo Anselmo. Não sabemos se os cinco livros ainda saíram nesse ano de 1533 ou só no ano seguinte. Mas é pelo ano do alvará que a impressão de Germão Galharde é conhecida Desta edição não existia nenhum exemplar na biblioteca de D. Manuel II. Por isso, o rei, embora a ela se refira, naturalmente não a transcreve. Apenas a encontrei descrita por Anselmo sob o nº672, como acima deixei dito. Da sua descrição constata-se que o cólofon dos livros primeiro, segundo, terceiro e quarto é o seguinte: “ Foi impresso em ha çidade de Lixboa por German Galharde francês”. Mas o cólofon do fim da obra - o do quinto livro –, por imposição daquele alvará,  é a reprodução do da edição de 1521: “ Foi impresso em ha çidade de Lixboa por Jacome Cronberguer aleman: aos onze dias do mês de Março : anno de mil e quinhentos e vinte e hum anos. Deo graçias”. Por lapso ou erro de impressão trocaram Jacob por Jacome. 
     Como referi ,ao meu exemplar da edição de 1539 falta-lhe o cólofon do segundo livro. No mais confere com a descrição que D. Manuel faz do seu. O qual, como a 1533, segundo a descrição de Anselmo, no verso da portada transcreve o mencionado alvará.
       Desconhecem-se os motivos que terão levado Luís Rodrigues ou até o próprio rei a dispensarem os serviços daquele impressor de Lisboa. A terceira edição da segunda versão das Ordenações Manuelinas foi confiada ao impressor João Cronberger, impressor em Sevilha e, possivelmente, filho do impressor da edição de 1521. Condição que talvez não seja alheia à sua escolha. Afora o aludido alvará e o cólofon dos quatro primeiros livros, esta edição, como salienta D. Manuel, é uma fiel reprodução da de 1521. E era forçoso que assim fosse, por imposição do alvará de 17 de Junho de 1533. Pois teriam que ser “ outras taes como as que o dito senhor fez de verbo a verbo sem mudar nem acrescentar nem tirar nenhuma palavra nem letra”. D. João III impunha que as futuras impressões fossem simples reproduções, ipsis verbis, das impressas por ordem e orientação de seu pai. E só reproduzindo também o cólofon da obra é que se daria cumprimento àquele alvará. É essa e não outra a razão, pela qual as edições de 1533 e 1539 reproduzem o cólofon da de 1521. Não foi por se terem extraviado ou estragado os fólios do quinto livro na viagem de Sevilha para Lisboa, como alguém aventou, no que se refere à de 1539. E a de 1533, por que teria sido, então? Foram os ratos que destruíram os fólios? Ou sobejaram assim tantos fólios da primeira edição que tivessem sido aproveitados para posteriores edições? Muito sincera e humildemente penso que a única explicação é a que deixo explanada. E a análise do meu exemplar da quarta edição vem confirmar essa mesma ideia. Esta edição, embora traga o prólogo, que é comum às quatro, já é omissa quanto ao alvará de 1533 e o cólofon do quinto livro é o seguinte: “ Aqui acaba o quinto livro das Ordenações. Foi impresso em a cidade de Lixboa por Manoel Joam e se acabou aos 3 dias de Março de 1565.  DEO  GRATIAS.  Quarta impressam. “ . Já não transcreve o cólofon do quinto livro da edição de 1521. É que D. João III tinha falecido em 11 de Junho de 1557. As Ordenações Manuelinas mantiveram-se em vigor até à publicação das Ordenações Filipinas, em 1603.
Francisco Marques, Advogado.
framarques@mail.telepac.pt