PALMEIRIM
DE INGLATERRA
FRANCISCO MARQUES
Este é o romance
de cavalaria mais famoso, publicado no
século XVI. É seu autor FRANCISCO DE MORAIS, que o editou na cidade de Évora
em 1567, nos prelos de André de Burgos. Era tão alto o valor em que
era tido que CERVANTES, no seu D. Quixote se lhe refere nos seguintes termos : “…e
essa palma de Inglaterra se guarde e conserve como coisa única e se faça para ela outro cofre, como o que achou
ALE-
XANDRE nos despojos de DARIO, que o destinou para nele se
guardarem as obras do poeta HOMERO. Este
livro, senhor compadre , tem autoridade por duas coisas: primeiro, porque é de
si muito bom; segundo, por ter sido seu
autor um discreto Rei de Portugal” (1).
Talvez, por isso, MANUEL FARIA Y SOUSA
escreveria mais tarde :…” o
Palmeirim de Inglaterra, escrito por FRANCISCO
DE MORAES, no tempo de D. João III, obra que alguns acreditaram ser do
Rei D. João II “.(2)
Na verdade, Francisco de
Morais viveu no tempo de D. João III,
foi amigo íntimo do conde de Linhares, D. Francisco de Noronha, acompanhando-o
como seu secretário particular, quando este em 1540 foi nomeado embaixador português em França. E
aí permaneceu vários anos . Em Paris
enamorou-se de uma donzela, de nome Torsy, como resulta dos DIÁLOGOS,
publicados, postumamente, em 1624.
Hoje , é pacífica, a atribuição
da autoria do PALMEIRIM DE INGLATERRA a
Francisco de Morais. Sobretudo, depois
de WILLIAM EDWARD PURSER, em 1904, o ter demonstrado ,sem margem
para dúvidas, na sua obra “ Palmeirim of England: Some remarks on this romance
and controversy concerning its author ship,- Dublin.”. Mas já em 1807,
ROBERT SOUTHEY, no prefácio da sua
tradução do original português para inglês, defende a tese da autoria
portuguesa daquela celebérrima obra..
Um dos argumentos por ele esgrimidos , em defesa da autoria
portuguesa, prende-se com o facto de parte da acção se desenrolar no
castelo de ALMOUROL, no rio Tejo.(3)
A controvérsia sobre a autoria da obra em causa resulta do facto de, em 1547 , ter sido
publicada em Toledo,em Espanha,
a obra “ Libro del muy efforçado
cavallero Palmerin de Inglaterra hijo d’elrey don Duardos “. Isto é, vinte anos
antes da edição portuguesa. Salvá atribuía a sua autoria a Miguel Ferrer ou Luís Hurtado, não passando a
edição portuguesa de uma versão da castelhana ( 4). Mas a tese da autoria portuguesa ainda se tornava
mais difícil de sustentar , face à existência
de uma edição francesa de 1553, saída dos prelos da cidade de Lião e outra italiana . publicada em Veneza,
em 1555.
Para
ROBERT SOUTHEY , não é caso único as traduções saírem à luz do dia antes do próprio
original. Para este autor , a intrinsecidade do PALMEIRIM DE INGLATERRA evidencia que o seu autor é português e este é FRANCISCO DE MORAES (5).
Um século mais tarde, autores
como MENENDEZ Y PELAYO, o já citado PURSER, MENDES DOS REMÉDIOS, FIDELINO DE
FIGUEIREDO e AUBREY BELL, entre outros, arrumaram definitivamente a questão, .a
favor nosso FRANCISCO DE MORAIS.(6).
Houve até quem colocasse a
dúvida sobre se a edição francesa teria alguma vez existido. FRANCISCO LEITE DE
FARIA escreveria em 1977: “ Sobre a suposta ed. anterior, impressa na França ou
em Flandres, nada sabemos dizer e duvidamos até
de que tenha existido” (7).
È pena que aquele incansável
investigador já não pertença ao mundo dos vivos, porque teria oportunidade de varrer aquela dúvida É que
a edição francesa não só existiu, como
ainda dela existe um exemplar, pelo
menos , que se encontra em magnífico estado
de conservação, adquirido a um alfarrabista
holandês .
É óbvio que Leite de Faria também
poderia querer referir-se a uma impressão em português, anterior à de Évora.
Quanto a isso, agora não restam dúvidas. Pois , Eugenio Asensio encontrou na
Hispanic Society de Nova Iorque um
exemplar da edição de Évora, completo de rosto, dedicatória e cólofon , único
exemplar completo conhecido. E o título
estampado na portada, na sua parte inferior remata assim : Vay
corregida e emendada nesta terceira impressam de algus erros: impressa na cijdade Devora. 1564. E no cólofon podemos ler : Acabouse
a XXV dias do mês de Junho. Anno
do nacimento de nosso senor Jesu Christo
de M D LXVII.( Eugenio Asensio, El Palmerim de Inglaterra. Conjeturas
y Certezas in GARCIA DE ORTA, Revista da
Junta de Investigações do Ultramar,Número Especial, 1972,pág. 127 e segs.)
Daqui se infere, sem margem para dúvidas, que antes de 1564 houve mais duas
impressões totalmente desconhecidas, e que a de Évora começou em 1564 mas só
terminou em 1567, a 25 de Junho. É verdade que a edição de Évora não menciona o
seu autor. Era usual naquele tempo as novelas de cavalaria bem como as obras de
teatro não mencionarem o seu autor. Foi o que aconteceu com a primeira edição da Castro do
Doutor António Ferreira, em 1587, e tinha acontecido com a comédia Do Fanchono,
do mesmo autor, impressa em 1562, em Coimbra.
A primeira impressão do Palmeirim de
Inglaterra ocorreu antes de 1543. É que nos Lusíadas ressoam ecos, provenientes
da leitura que Camões fez daquela famosíssima novela de cavalaria, como o
demonstrou José Maria Rodrigues em Fontes dos Lusíadas,( Lisboa,1979)
pág.401-509. E não foi a edição de 1564-1567 que Camões leu. Então ainda se
encontrava no Oriente . Tudo leva a crer que foi durante a sua estadia na casa
dos Condes de Linhares, para onde foi em 1543 e de quem era secretário
Francisco Morais, que Luis de Camões leu o Palmeirim de Inglaterra ou até terá sido presenteado com um exemplar pelo seu
autor. Pois, ” As obras de Camões põem fora de dúvida que lhe eram familiares aquelas leituras predilectas da sua época” (
Wilhelm Storck, Vida e Obra de Luis de Camões, Lisboa, 1897, pág.295). As
pequenas tiragens que então se faziam e uso intenso a que esse género de livros estava submetido,
desgastando-os rapidamente, fizeram com que não tivesse chegado até nós qualquer
exemplar das duas primeiras impressões. Pelo menos, até agora não foi
localizado nenhum. O que não quer dizer que não possa aparecer, como aconteceu
com o acima mencionado. Foi uma dessas duas
edições, anteriores a 1567, que serviu de base à aludida edição espanhola e esta à francesa.
NOTAS:
(!)-CERVANTES, EL INGENIOSO HIDALGO
DON QUIXOTE DE LA MANCHA ,
MADRID,1787 TOMO I, pag. 57
(2)-MANUEL FARIA Y SOUSA, EUROPA
PORTUGUESA,1680, TOMO III,pag. 372;
(3)- ROBERT SOUTHEY, PALMERIN OF
ENGLAND,1807,vol.I,pag.xv;
(4)- D.PEDRO SALVÁ Y
MALLEN,CATALOGO DE LA BIBLIOTECA DE SALVÁ, 1872,TOMO II,pag.84 e segs.;
(5)-ROBERT SOUTHEY, idem et ibidem;
(6)-D. MANUEL II,LIVROS ANTIGOS PORTUGUESES,vol.II, pag.757;
(7)-FRANCISCO LEITE DE
FARIA,ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS SOBRE DAMIÃO DE GÓIS E A SUA ÉPOCA,pag.241.
(8) – Eugenio Asensio, Palmerim de
Inglaterra. Conjeturas y Certezas in GARCIA
DE ORTA, Revista da Junta de Investigações do Ultramar,Número Especial,
1972,pág. 127 e segs
(9) - Wilhelm Storck, Vida e Obra
de Luis de Camões, Lisboa, 1897, pág.295.
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