domingo, 9 de março de 2008

A MÃE DE EÇA DE QUEIRÓS

Em carta dirigida ao pai do grande escritor, logo a seguir ao seu falecimento, o Dr. Elisiário Luiz Monteiro perguntava-lhe se o filho havia nascido na casa de números 1 a 3 da Praça do Almada, na Póvoa de Varzim. Em resposta, datada de Cascais, de 31/8, responde o pai do escritor: " Apenas posso informá-lo de que o meu filho nasceu numa casa, onde em 1845 morava o meu parente Francisco Augusto Pereira Soromenho, empregado, que então era, na fiscalização do pescado. Ignoro o nome da rua." ( EÇA DE QUEIROZ- Questão da naturalidade, 1906,Imprensa Portuguesa,pág. 179).

O que o pai do escritor não disse é que aquele Soromenho era seu parente, pelo lado da esposa Carolina Augusta. Mais : foi marido da irmã mais velha de sua esposa, Emília Amália Pereira d'Eça Soromenho, pois com ele havia casado, na igreja de Santo António, em Viana do Castelo, a 23 de Julho de 1844, conforme se constata do seu assento de casamento, lavrado pelo padre Domingos José dos Reis, que presidiu à cerimónia. Daquele documento resulta também que o noivo - escrivão dos seis por cento sobre o pescado na vila de Póvoa de Varzim, onde residia - não esteve presente , tendo sido reprentado pelo seu procurador, para o acto, Alexandre José Loureiro, da vila de Viana, sendo uma das testemunhas o próprio sacristão, José Vicente da Cruz. Casamento que se realizara 16 meses antes do nascimento de Eça de Queirós.

A Carolina Augusta - a mais nova de nove filhos - , envergonhada do seu estado de gravidez e para o manter em segredo, foi para casa de sua irmã Emilia Amália, então a viver na Póvoa de Varzim, onde seu marido trabalhava, e aí deu à luz o filho indesejado.

As cartas do pai do escritor- a acima referida e a que escreveu à Carolina Augusta antes do nascimento do filho -, bem como a declaração da sua legitimação, feita e assinada pelos pais em 23 de Dezembro de 1885, antes do seu casamento, aliadas à certeza de que o tal parente, em cuja casa o escritor nasceu, era o marido da irmã mais velha de Carolina Augusta, leva-me a afirmar, sem margens para dúvidas:

FOI NA PÓVOA DE VARZIM , EM CASA DE SUA IRMÃ MAIS VELHA, EMÍLIA AMÁLIA PEREIRA D'EÇA SOROMENHO , QUE CAROLINA AUGUSTA PEREIRA D'EÇA DEU À LUZ O SEU PRIMOGÉNITO , JOSÉ MARIA D'EÇA DE QUEIRÓS.

Esposende,9 de Março de 2008

PALMEIRIM DE INGLATERRA

Este é o romance de cavalaria mais famoso, publicado no século XVI. É seu autor FRANCISCO DE MORAIS, que o editou na cidade de Évora em 1567, nos prelos de André de Burgos. Era tão alto o valor em que era tido que CERVANTES, no seu D. Quixote se lhe refere nos seguintes termos : “…e essa palma de Inglaterra se guarde e conserve como coisa única e se faça para ela outro cofre, como o que achou ALEXANDRE nos despojos de DARIO, que o destinou para nele se guardarem as obras do poeta HOMERO. Este livro, senhor compadre , tem autoridade por duas coisas: primeiro, porque é de si muito bom; segundo, por ter sido seu autor um discreto Rei de Portugal” (1). Talvez, por isso, MANUEL FARIA Y SOUSA escreveria mais tarde :…” o Palmeirim de Inglaterra, escrito por FRANCISCO DE MORAES, no tempo de D. João III, obra que alguns acreditaram ser do Rei D. João II “.(2)
Na verdade, Francisco de Morais viveu no tempo de D. João III, foi amigo íntimo do conde de Linhares, D. Francisco de Noronha, acompanhando-o como seu secretário particular, quando este em 1540 foi nomeado embaixador português em França. E aí permaneceu vários anos . Em Paris enamorou-se de uma donzela, de nome Torsy, como resulta dos DIÁLOGOS, publicados, postumamente, em 1624.
Hoje , é pacífica, a atribuição da autoria do PALMEIRIM DE INGLATERRA a Francisco de Morais. Sobretudo, depois de WILLIAM EDWARD PURSER, em 1904, o ter demonstrado ,sem margem para dúvidas, na sua obra “ Palmeirim of England: Some remarks on this romance and controversy concerning its author ship,- Dublin.”. Mas já em 1807, ROBERT SOUTHEY, no prefácio da sua tradução do original português para inglês, defende a tese da autoria portuguesa daquela celebérrima obra.. Um dos argumentos por ele esgrimidos , em defesa da autoria portuguesa, prende-se com o facto de parte da acção se desenrolar no castelo de ALMOUROL, no rio Tejo.(3)
A controvérsia sobre a autoria da obra em causa resulta do facto de, em 1547 , ter sido publicada em Toledo,em Espanha, a obra “ Libro del muy efforçado cavallero Palmerin de Inglaterra hijo d’elrey don Duardos “. Isto é, vinte anos antes da edição portuguesa. Salvá atribuía a sua autoria a Miguel Ferrer ou Luís Hurtado, não passando a edição portuguesa de uma versão da castelhana ( 4). Mas a tese da autoria portuguesa ainda se tornava mais difícil de sustentar , face à existência de uma edição francesa de 1553, saída dos prelos da cidade de Lião e outra italiana . publicada em Veneza, em 1555.
Para ROBERT SOUTHEY , não é caso único as traduções saírem à luz do dia antes do próprio original. Para este autor , a intrinsecidade do PALMEIRIM DE INGLATERRA evidencia que o seu autor é português e este é FRANCISCO DE MORAES (5).
Um século mais tarde, autores como MENENDEZ Y PELAYO, o já citado PURSER, MENDES DOS REMÉDIOS, FIDELINO DE FIGUEIREDO e AUBREY BELL, entre outros, arrumaram definitivamente a questão, .a favor nosso FRANCISCO DE MORAIS.(6).
Houve até quem colocasse a dúvida sobre se a edição francesa teria alguma vez existido. FRANCISCO LEITE DE FARIA escreveria em 1977: “ Sobre a suposta ed. anterior, impressa na França ou em Flandres, nada sabemos dizer e duvidamos até de que tenha existido” (7).
È pena que aquele incansável investigador já não pertença ao mundo dos vivos, porque teria oportunidade de varrer aquela dúvida É que a edição francesa não só existiu, como ainda dela existe um exemplar, pelo menos , que se encontra em magnífico estado de conservação, adquirido a um alfarrabista holandês .
Esposende, 10 de Março de 2008
Francisco Marques






NOTAS:
(!)-CERVANTES, EL INGENIOSO HIDALGO DON QUIXOTE DE LA MANCHA, MADRID,1787 TOMO I, pag. 57
(2)-MANUEL FARIA Y SOUSA, EUROPA PORTUGUESA,1680, TOMO III,pag. 372;
(3)- ROBERT SOUTHEY, PALMERIN OF ENGLAND,1807,vol.I,pag.xv;
(4)- D.PEDRO SALVÁ Y MALLEN,CATALOGO DE LA BIBLIOTECA DE SALVÁ, 1872,TOMO II,pag.84 e segs.;
(5)-ROBERT SOUTHEY, idem et ibidem;
(6)-D. MANUEL II,LIVROS ANTIGOS PORTUGUESES,vol.II, pag.757;
(7)-FRANCISCO LEITE DE FARIA,ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS SOBRE DAMIÃO DE GÓIS E A SUA ÉPOCA,pag.241.

sábado, 8 de março de 2008

A NOSSA JUSTIÇA

Qualquer serviço público , para ser eficaz e eficiente, deve estar o mais próximo possível dos seus utentes. No que à Justiça respeita , os cidadãos só se sentirão bem servidos, se tiverem o tribunal próximo . É óbvio que não se pode ter um tribunal em cada freguesia. Mas é possível tê-lo na sede do concelho, como presentemente acontece. Por isso, não faz o mínimo sentido o mapa judicial que se pretende implantar no País.
Só quem não tem a experiência da vida do dia a dia dos nossos tribunais é que pode embarcar em tal modelo. A Justiça não funciona mal por causa do actual mapa. Aliás, passaria a funcionar muito pior , se houvesse a veleidade de levar por diante a anunciada reforma territorial judiciária.
A Justiça funciona mal , porque em muitos tribunais não há salas suficientes para se realizarem os julgamentos e, por isso, muitas vezes têm que ser adiados. Funciona mal, porque os tribunais não estão devidamente apetrechados com os meios indispensáveis ao seu bom funcionamento. Funciona mal, porque muitas vezes os processos ficam parados nas prateleiras, devido à pouca ou nenhuma eficiência de alguns funcionários, sendo muitas vezes necessário o advogado chamar-lhes a atenção para a demora do seu movimento. Funciona mal, porque alguns magistrados congelam os processos, demorando meses a despachá-los. Casos há em que o cidadão espera mais de um ano por uma sentença!
Tempos houve , em que uma providência cautelar era requerida,despachada e executada no mesmo dia. Hoje , raramente será antes de um mês! Muitas vezes já sem qualquer resultado prático, porque o que se pretendia acautelar já se foi.
Esposende, 8 de Março de 2008
Francisco Marques